Todos os dias, a Terra gira em torno de si própria. O Sol aparece no horizonte de manhã e, passado umas horas, deita-se. A vida humana está construída em volta desta periodicidade, com os dias divididos em horas, minutos e segundos.
Mas, em alguns lugares do planeta, o Sol só nasce uma vez por ano. Com o conceito de “dia” já tão distante do resto do mundo, uma população do Ártico começou a pensar: e se abandonássemos completamente o conceito de tempo?
Essa é a ideia do norueguês Kjell Ove Hveding, que vive ao norte do Círculo Ártico numa cidade chamada Sommarøy. A ideia já descolou e foi apresentada pela agência de notícias estatal da Noruega e pelo menos por um dos grandes jornais nacionais do país.
Hveding encontrou-se com o seu membro local do parlamento para entregar uma petição para se livrar do tempo na cidade. O objetivo é fazer de Sommarøy um lugar onde as pessoas possam fazer o que quiserem quando quiserem.
“Temos que ir trabalhar e, mesmo depois do trabalho, o relógio toma o seu tempo”, disse Hveding ao Gizmodo. “Tenho que fazer isto, tenho que fazer isto. A minha experiência é que as pessoas esqueceram-se de como serem impulsivas, de decidir que o tempo está bom, o Sol está a brilhar, posso simplesmente viver. Mesmo que seja às três da manhã”.
No entanto, a proposta escasseia detalhes. Está ligada à discussão sobre a utilidade do horário de verão, que a União Europeia descartou este ano. Essas discussões não têm nenhuma importância para Sommarøy, cidade com 321 habitantes em 2017, já que o Sol só se põe uma vez por ano.
Sem tempo, as lojas estariam abertas sempre que o lojista quisesse, as pessoas poderiam sair quando quisessem e, em vez de marcar, as pessoas poderiam encontrar-se impulsivamente.
Mas podem os humanos abandonar os relógios? Vivemos numa sociedade que depende de dias divididos em horas e minutos. Remover os relógios pode fazer as coisas parecerem mais flexíveis para um grupo que escolhe viver fora das regras, mas, em última análise, o trabalho, a escola e o transporte dependem do tempo.
“O problema é que os seres humanos não evoluíram no Ártico”, disse Hanne Hoffman, professor assistente de ciência animal que estuda o ritmo circadiano, ao Gizmodo. “Os nossos corpos adaptaram-se ao ciclo de 24 horas gerado pela rotação da Terra. Não podemos ir contra a evolução e é isso que está a acontecer nesses locais”.
Normalmente, as pessoas no Ártico compensam, apagando a luz nas suas casas durante o que seriam horas da noite. Uma série de hormonas e processos metabólicos respondem à luz e ao tempo, dizendo ao corpo como se comportar em diferentes pontos durante o dia. Mesmo os processos em que se pode não pensar, como a digestão e a temperatura corporal, estão ligados a esse ritmo. O desalinhamento do ritmo circadiano, onde o corpo está a trabalhar numa programação separada da mente, é um fator de risco para a doença.
Hoffman está especialmente preocupado com o facto de as crianças, que já enfrentam mudanças no seu ritmo circadiano ao entrarem na puberdade, poderem sofrer na escola em tal ambiente.
Experiências anteriores mostraram que os humanos não perdem o ritmo, mesmo na ausência de luz. Exemplo disso é Michel Siffre, explorador subterrâneo francês que se escondeu numa caverna escura durante dois meses. Embora a sua agenda lentamente tenha saído da sincronia do resto do mundo, ainda mantinha um ritmo de 24 horas.