Os habitantes do bairro, famoso pelas suas casas em tons de pastel que apareceram no filme do famoso urso, opõem-se a um concurso do Airbnb que vai hospedar três famílias na rua.
Com as suas casas geminadas bucólicas, Chalcot Crescent há muito tempo chama a atenção dos diversos visitantes que chegam ao bairro de Primrose Hill, em Londres.
Mas a rua ao norte da capital inglesa agora está a atrair outro tipo de visitante: o turista cinematográfico. A rua apareceu no filme As Aventuras de Paddington — a série usou uma casa da rua como lar da família fictícia Brown.
“Vi pessoas a tirar selfies bem em frente à janela da sala de estar de alguém, e penso: se fosse eu, ficaria um pouco irritado por ter minha sala de estar colocada diretamente no Instagram”, disse à BBC Matt Cooper, um dos representantes do Conselho de Primrose Hill, sobre os muitos turistas que visitam a área.
Agora surgiu uma polémica entre os moradores locais e o Airbnb, que está a organizar um concurso para três famílias se hospedarem numa casa em Chalcot Crescent, como parte da campanha de lançamento de Paddington no Peru, no Reino Unido, em novembro.
A plataforma de locação de imóveis para férias disse-lhes que vai passar duas semanas a fazer obras na propriedade para que se pareça com o cenário do filme — pintando a fachada de azul, bloqueando cinco vagas de estacionamento e também causando poluição sonora durante a semana.
Alguns moradores protestaram numa carta enviada ao Airbnb, alegando que o concurso vai contribuir para os problemas que a rua já enfrenta com o excesso de turismo. A discussão parece ser “a gota d’água”, diz Cooper.
Em resposta, o Airbnb afirmou à BBC que não divulgou a localização do imóvel — e está a fazer uma “doação considerável” para a Associação de Moradores de Primrose Hill.
Esta não é, no entanto, a única polémica sobre turismo em sets de filmagem no Reino Unido nos últimos anos — e as outras podem dar-nos uma pista sobre como resolvê-la.
Harry Potter e Downton Abbey
O Viaduto de Glenfinnan, na Escócia, é mais conhecido pela sua aparição na saga Harry Potter.
Os seus arcos imponentes, cortando as impressionantes Highlands, as Terras Altas da Escócia, foram usados como parte da rota do Expresso de Hogwarts.
Mas a chegada de fãs de Harry Potter a Glenfinnan — uma pequena vila com apenas 150 moradores — gerou algumas reclamações.
Quase meio milhão de turistas visitaram o viaduto nos primeiros 10 meses de 2023, de acordo com o National Trust Scotland, organização responsável pela preservação e promoção do patrimônio cultural e natural do país.
Um morador local disse ao The Mirror, em julho, que isso gera um “engarrafamento completo” no trânsito, enquanto outros contaram ao The National, no ano passado, que a falta de casas de banho públicas levou alguns visitantes a urinar em público.
Uma história semelhante aconteceu na vila de Bampton, no condado de Oxfordshire — mais conhecido como o cenário da série Downton Abbey.
Alguns moradores disseram, em 2019, que autocarros lotados de turistas estavam a chegar para tirar fotos de locais usados no drama de época — e iam embora sem gastar quase nada na economia local.
Um acordo teria sido fechado mais tarde com empresas de autocarros para resolver os problemas de estacionamento na área.
E, em Hebden Bridge, no Condado de Yorkshire, alguns moradores reclamaram no mês passado de um aumento nas despedidas de solteiro, depois de a cidade ter ganhado popularidade com a série policial Happy Valley, da BBC.
Além das questões gerais associadas ao turismo — como superlotação, lixo e dificuldade de estacionamento —, o turismo cinematográfico apresenta problemas específicos, segundo James Cateridge, professor de cinema na Universidade Oxford Brookes.
“Pode haver um grande aumento no número de turistas quando o filme é lançado ou imediatamente após seu lançamento, e depois pode diminuir rapidamente“, explica. “Então é muito difícil planejar e mitigar isso.”
Esse não parece ter sido o caso de Primrose Hill, que já está acostumado com pessoas visitando os cenários dos filmes de Bridget Jones e o parque do bairro, com suas vistas deslumbrantes do horizonte de Londres.
Em busca de um equilíbrio satisfatório
Mas nem sempre é uma má notícia — às vezes, os filmes que estão a ser filmados em ruas reais, em vez de em estúdios fechados, podem gerar um boom no comércio local.
De acordo com um relatório de 2021 do Instituto de Cinema Britânico (BFI, na sigla em inglês), o turismo cinematográfico de outros países para o Reino Unido foi estimado em quase 900 milhões de libras em 2019, incluindo um aumento de gastos em atrações, hotéis e restaurantes.
O turismo televisivo atraiu, por sua vez, quase 500 milhões de libras para a economia no mesmo ano.
Não é de se admirar, portanto, que os moradores de Barry Island, no sul do País de Gales, tenham parecido receber bem as recentes filmagens do especial de Natal da série Gavin & Stacey, que será exibido no dia de Natal.
Multidões de curiosos foram fotografadas nas ruas a observar a chegada de estrelas como James Corden, Ruth Jones e Rob Brydon para as filmagens.
“Todas as vezes que eles vêm aqui, há sempre um boom“, disse o morador local Marco Zeraschi ao Barry & District News.
Em Tobermory, na Ilha de Mull, a notícia de uma nova temporada da série Balamory, do canal britânico CBeebies, deve provocar um aumento no turismo. A organização VisitScotland disse que estava ansiosa para ver qual seria o efeito.
O segredo para alcançar um equilíbrio satisfatório entre os moradores locais e os turistas cinematográficos e televisivos é que os conselhos e os grupos de turismo sejam proativos, diz Cateridge, planejando, por exemplo, maneiras de dispersar os visitantes para além de uma pequena área.
Peter Robinson, da Universidade Leeds Beckett, ressalta que as locações de filmagem menores, com menos maneiras de os visitantes gastarem dinheiro, tendem a sair-se pior.
Robinson compara Glenfinnan com o Castelo de Highclere, que serviu de locação para a série Downton Abbey — este último oferece muito mais oportunidades de gastos para ajudar a aumentar o comércio local.
De volta a Primrose Hill, o Airbnb insiste que as obras temporárias do imóvel para os vencedores do concurso voltará ao normal “em questão de semanas“.
“Respeitamos a comunidade e as casas dentro dela”, diz um porta-voz, acrescentando que a empresa se reuniu com os moradores locais e manteve contato com eles.
Embora essa polémica possa acabar quando o projeto do Airbnb terminar, é menos provável que a rua se desvencilhe do vínculo com As Aventuras de Paddington — e dos caçadores de selfies que o acompanham.