A Ponta do Sol, na Madeira, acolhe aquela que é a primeira Vila Nómada Digital em Portugal. Um projecto-piloto que visa “criar uma comunidade de nómadas digitais”, como explica ao ZAP o mentor da ideia, Gonçalo Hall, também ele um nómada digital que considera que “Portugal tem tudo para ser o líder”.
A pandemia está a dar visibilidade ao fenómeno dos nómadas digitais, pessoas que trabalham de forma remota enquanto aproveitam para viajar e conhecer outros lugares.
Para alimentar este movimento, o nómada digital Gonçalo Hall avançou, em parceria com a Startup Madeira e com o Governo Regional da Madeira, com o projecto de uma Vila Nómada Digital na Ponta do Sol, município madeirense.
Há 60 nómadas digitais (e mais 4200 interessados)
A Vila Nómada Digital arrancou oficialmente neste mês de Fevereiro e a ideia é “criar uma comunidade de nómadas digitais” num “sítio incrível”, uma vila “lindíssima” e onde a “Internet é muito boa”, como destaca Gonçalo Hall ao ZAP.
O projecto vai acabar também por trazer “uma nova fonte de rendimentos para os negócios locais”, pois os “os nómadas consomem muito mais e por muito mais tempo” do que os turistas habituais, destaca ainda.
É nesse contexto que se justifica o envolvimento do Governo Regional e da incubadora de empresas Startup Madeira.
O investimento público é da ordem dos 15 mil euros, segundo Gonçalo Hall, mas o apoio ao projecto passa ainda pela cedência do Centro Cultural John dos Passos, onde os nómadas digitais podem trabalhar, com Internet gratuita.
“Às vezes, as pessoas pensam que é mentira que estamos a oferecer o espaço de trabalho”, constata o mentor do projecto, frisando que “normalmente, cobram entre 150 a 200 euros”.
Actualmente, já há 60 nómadas digitais instalados na Ponta do Sol. Em toda a ilha, estão a viver cerca de 250. São sobretudo estrangeiros, mas também há alguns portugueses que moram no estrangeiro, segundo Gonçalo Hall.
Não fosse a pandemia e o facto de as fronteiras estarem fechadas, haveria muitos mais, uma vez que existem 4.200 pessoas inscritas que estão interessadas em ficar na Vila Nómada Digital na Madeira.
O projecto também firmou parcerias com espaços de alojamento local para terem “preços competitivos” para os nómadas. Mas, nesta altura, “o número de casas no mercado não é suficiente na Ponta do Sol para tanta gente”, pelo que as pessoas têm-se espalhado pela ilha, o que acaba por beneficiar o Arquipélago no seu todo.
Gonçalo Hall e o Governo Regional da Madeira já estão a estudar a implantação de mais uma Vila Nómada Digital na ilha, provavelmente em Porto Santo.
“Portugal tem tudo para ser o líder deste mercado”
Entretanto, Gonçalo Hall refere que tem sido “contactado por vários países” para desenvolver projectos semelhantes, mas “curiosamente, o meu próprio país não é um deles”, lamenta em declarações ao ZAP.
Para o nómada digital, esta é uma “oportunidade única”, pois “os nómadas gostam muito de Portugal, por tudo, pela cultura, pelo tempo”, considera.
A título de exemplo, Gonçalo Hall nota que no site Nomadlist.com que inclui o ranking dos locais preferidos dos nómadas digitais, “o número 1 é quase sempre Lisboa” e a “Ericeira chegou a estar em número 3 no ano passado”.
Nesta altura, Lisboa aparece de facto em primeiro lugar, o Porto é 10.º, a Ericeira é 20.ª e o Funchal é 45.º. Lagos (86.º) e Ponta Delgada (88.ª) aparecem também na lista dos 100 locais mais populares, sendo que Braga surge em 124.º lugar.
Desta forma, Gonçalo Hall acredita que “Portugal tem tudo para ser o líder” deste “mercado novo e muito mais sustentável” e que, além disso, promove um “impacto económico muito mais interessante para as economias locais do que o turismo de massas”. Mas “falta uma estratégia a sério”, salienta.
“O visto nómada dava muito jeito”
No pós-pandemia, Hall espera uma “explosão” de visitantes, sobretudo de norte-americanos e britânicos que são os “dois grandes mercados” deste sector.
Cerca de 40% dos 4.200 inscritos no projecto são dos EUA e do Reino Unido e “muita gente queria viajar já” para a Madeira, mas “neste momento, é impossível”, constata.
E se Portugal tivesse um “visto específico” para nómadas digitais, como já acontece em países como a Croácia e a Grécia, as limitações da pandemia até poderiam ser contornadas.
“O visto nómada dava muito jeito”, aponta Hall, considerando que facilitaria as questões burocráticas, nomeadamente para a “legalização” destes trabalhadores remotos.
A questão da renovação dos vistos é uma das grandes dificuldades dos nómadas digitais e que o próprio Gonçalo Hall viveu na pele depois de ter passado por locais como Bali (Tailândia), Vietname, Malásia, Budapeste (Hungria) e Las Palmas (Espanha).
“Bali oferece um visto de 30 dias para turistas e depois temos de sair e de voltar” e as pessoas podem ficar “ilegais” a trabalhar a partir destes países, nota.
“O Governo tailandês já fez algumas apreensões e já mandou pessoas para a prisão, durante uma noite, por estarem a trabalhar em espaços de coworking que eles proibiram”, acrescenta ainda.
Hall destaca que o Governo Regional está “receptivo” a implementar este tipo de vistos especiais, mas frisa que a questão terá de passar pelo Governo central, onde não encontrou ainda receptividade nesse sentido.
Ser nómada digital mesmo com filhos
O fenómeno dos nómadas digitais é habitualmente associado a pessoas mais novas, mas Manuel Manero contraria essa ideia. Este profissional de Marketing, formador e autor, constata ao ZAP que “há muita gente que vive este estilo de vida, mesmo tendo filhos”.
Ele próprio é pai de duas meninas, com 12 e 4 anos, e, mesmo assim, continua a ser “nómada a tempo parcial”, coordenando as viagens com os períodos lectivos.
Claro que com filhos, “a logística é muito mais exigente”, mas seria “um contra-senso não conhecermos este mundo onde vivemos”, realça.
Manero é uma espécie de “activista” do nomadismo digital e, portanto, é um defensor desta “forma de estar na vida” que passa por “viajar devagar e não a correr”, o que permite “conhecer os locais e as culturas”.
O autor do livro “Empreender como um nómada digital” começou nesta vida há 5 anos depois de ter tido “duas falências empresariais” e seguindo uma “sede” de “conhecer o mundo”.
A quem sonha ser nómada digital recomenda que “desenhem muito bem a vida antes de o fazer”, pois “custa dinheiro”. “Pior do que ser nómada é ser nómada sem recursos nenhuns”, analisa, frisando a importância de “fazer um plano a 90 dias ou 6 meses ou um ano”.
“Aproveitar trabalho remoto para ser mais livre”
A pandemia atirou muitas pessoas para o regime de teletrabalho e já se começa a especular como será o mercado de trabalho quando a covid-19 passar à história.
É neste âmbito que o Colectivo de Nómadas Digitais Portugueses pretende “empoderar as pessoas que estão a ter experiências de teletrabalho” e “inspirar e ajudar as empresas a implementarem a flexibilidade no trabalho”, como explica ao ZAP o fundador deste grupo, Diogo Reffóios Cunha.
O gestor de comunicações e ex-concorrente do Big Brother aponta que o Colectivo junta uma “série de pessoas que já estão habituadas a ter essa flexibilidade” para partilha de “projectos e de experiências”. Assim, a ideia passa por “inspirar os outros para aproveitarem o trabalho remoto para serem mais livres“.
Diogo Reffóios Cunha atesta que o confinamento levou muitas empresas a um processo de aprendizagem, onde tiveram que “organizar-se” em termos da “forma de comunicação entre equipas” e de hierarquias, de “quem é responsável pelo quê”. No fundo, “tiveram que aprender a trabalhar remotamente“, diz.
O Colectivo intervém neste âmbito, mas também no sentido de promover a mudança de mentalidades. Para Diogo Reffóios Cunha as empresas que estão organizadas em função de horários rígidos em vez de “objectivos ” são “geridas pelo medo”.
Estas empresas têm “um modus operandis semelhante ao das indústrias agro-pecuárias que colocam animais dentro de uma cabine” para os “encher com rações e ficarem crescidos rapidamente”, acrescenta.
Uma realidade “retrógrada”, como diz Diogo Reffóios Cunha, e que está em contraciclo com os novos paradigmas da gestão que defendem a liberdade e a flexibilidade dos colaboradores como motores da produtividade. A isso, o gestor de comunicações e outros activistas do nomadismo digital acrescentam o “sonho de viajar e trabalhar ao mesmo tempo”.